domingo, 5 de maio de 2013

Debates sobre a atualidade do pensamento de Patrícia Galvão


Charge: Dino

Que relações é possível estabelecer entre a arte, a cultura e o jornalismo cultural dos anos 50 e de hoje? Os últimos anos de vida de Patrícia em Santos, sua atuação na área cultural e a atualidade de seu pensamento serão tema de vários debates durante os meses de abril e maio, em Santos, com a jornalista e pesquisadora Márcia Costa, autora do livro De Pagu a Patrícia – o último ato (Dobra Editorial/Prefeitura de Santos), obra que busca revelar a intelectual por trás do mito. 

No dia 26 de abril (sexta-feira), às 19h, Márcia estará na Aliança Francesa, espaço que Patrícia costumava frequentar. O debate, que contará também com a presença do escritor Flávio Viegas Amoreira, será “Patricia Galvão e a cultura francesa”, com foco na vanguarda modernista, que influenciou fortemente a formação intelectual de Patrícia Galvão e o pensamento ocidental. A cantora Alice Mesquita interpretará canções francesas que Patrícia adorava. 

No dia 27 (sábado), às 17h, no Sesc, Márcia Costa conduzirá o debate “Salve Santos e Pagu - sobre cultura e arte: a atualidade do pensamento de Patrícia Galvão”, mediado pelo jornalista e historiador Marcus Batista. A atriz Marisa Matos apresentará uma performance sobre a relação de Patrícia Galvão com o teatro a partir do texto Degraus da Escada, publicado por ela em A Tribuna em 1959.  

Já no dia 3 de maio (sexta-feira), às 14h, a autora estará no campus da Unifesp em uma palestra organizada pela Associação de ex-alunos da Universidade Aberta à Terceira Idade. O tema será “A efervescência cultural dos anos 50 e a atuação de Patrícia Galvão nos espaços culturais da cidade”. 

No dia 08 de maio (quarta-feira), às 20h, na Vila do Teatro, Márcia debaterá com o público o tema “Patrícia Galvão, a vanguarda e a experimentação teatral”. E, no dia 17 de maio, às 18h30, na livraria Porto das Letras, o assunto será “O que ler, segundo Patrícia Galvão - por uma formação crítica”. 

Todos os eventos são abertos aos mais diversos públicos e têm entrada gratuita. 

Endereços:
Sesc - Rua Conselheiro Ribas, 136, Aparecida.
Aliança Francesa - Rua Rio Grande do Norte, 98, Gonzaga.
Unifesp - Rua Silva Jardim, 136, Vila Mathias.
Vila do Teatro - Rua Visconde do Embaré, nº 6, na Praça dos Andradas, Centro.
Porto das Letras - Av. Senador Pinheiro Machado, 1024, José Menino.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

De Pagu a Patrícia, o último ato


Por Maria Inês Prado    

12 de dezembro de 2012: cinquentenário da morte da sanjoanense Patricia Rehder Galvão, mulher plural, como a define seu filho Geraldo Galvão Ferraz, na introdução de Paixão Pagu, a autobiografia precoce de Patrícia Galvão, Agir Editora, 2005.

Muito embora a morte seja um mistério indecifrável, todos nós temos alguns conceitos alinhavados a respeito da única certeza da vida. Pessoalmente, creio que a matéria se finda, mas o espírito permanece, refletindo-se nas marcas legadas à posteridade. 

Nesse sentido, as marcas que Pagu nos deixou não esmaeceram com o passar dos anos; ao contrário, esmiuçadas pelos estudiosos, aprofundam-se mais e mais. Dona de personalidade singular, Pagu, a inquieta, inconformada, idealista, ativista, artista multifacetada, mulher e mãe amorável, instiga os intelectuais até hoje, ensejando polêmicas e obras notáveis, tanto no Brasil como no estrangeiro, v.g., Estados Unidos.
Aqui, Augusto de Campos reavivou-a no trabalho primoroso Pagu, vida-obra (Brasiliense, 1982).  Outros amantes da musa redescobriram o caminho percorrido por ela, iniciado sob a serra da Mantiqueira e concluído sob as aragens do mar santista. Lúcia Maria Teixeira Furlani, da Unisanta, publicou  Pagu - Patricia Galvão, livre na imaginação e no tempo (Ed, Unisanta, 1999) e Viva Pagu, fotobiografia de Patricia Galvão, em parceria com Geraldo Galvão Ferraz  (Unisanta e Imprensa Oficial, 2010). Pagu inspirou documentários, seriados, peças teatrais e música.  Em 2010, a EPTV – Central realizou a série Pagu da Serra ao Mar, com reportagens abrangentes, focando o berço de Pagu, o histórico familiar, através de depoimentos de fãs e amigos, tanto em São João da Boa Vista como em Santos, onde o oceano lhe aplacava a alma.

Nos Estados Unidos, K. David Jackson, professor da Universidade de Yale, especialista em literatura portuguesa e estudioso ferrenho do legado de Pagu, verteu para o inglês a ousada obra de Patrícia Galvão, Parque Industrial, publicado em 1933, sob o pseudônimo de Mara Lobo. Industrial Park, editado pela University of Nebraska Press, em 1993, tem observações valiosas no seu prefácio, parte do qual traduzo:

[...] Desde a primeira leitura nós tivemos a certeza de que desejávamos traduzir o romance de Pagu, e a cada releitura nós o achávamos mais original e fascinante. Foi uma descoberta extraordinária em muitos aspectos. Primeiro de tudo, era um trabalho de Pagu, precoce e desconhecido, quando ela era uma jovem militante ainda associada a Oswald de Andrade. Estilisticamente, ela inovou nos anos em que muitos escritores combinavam a experiência modernista com temas do realismo social. Sua abordagem sobre raça e classe comparava-se favoravelmente com  romances proletários de Jorge Amado, do mesmo período, mas acrescentava perspectiva feminina valiosa sobre o meio urbano que não havia sido avaliado antes.

Cenas de cunho anarquista e propaganda comunista demonstravam o quanto Pagu estava envolvida em promover conscientização e revolução política dos trabalhadores. Seu romance nos impressionou por denunciar as falhas do início da industrialização,  através de histórias pessoais de mulheres, e por sua ousadia em  apontar casos de abuso de trabalhadoras, confrontos políticos e exploração sexual, além de outros. Pagu escreveu a partir de suas próprias experiências e ponto de vista, formados no distrito de trabalhadores imigrantes, onde viveu, e junto à elite social que ela frequentava com Oswald. [...]

Agora, marcando o cinquentenário da morte de PAT, a talentosa Márcia Costa, premiada no Concurso Pagu, cem anos de história (Academia de Letras de São João da Boa Vista), lança, através da Dobra Editorial,  De Pagu a Patrícia – o último ato: em 5/12,  na Casa das Rosas, São Paulo, e em 8/12, na Pinacoteca Benedito Calixto, Santos. Aplausos para essa estudiosa que extrai seiva dos meandros de Pagu!

Patricia Galvão deu ao mundo seu recado. Cabe-nos interpretá-lo e pô-lo em prática.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Adeus a Geraldo Galvão

Acabo de saber da morte do jornalista Geraldo Galvão, filho de Patrícia Galvão. Ele morreu em São Sebastião por conta de problemas de diabetes, hipertensão. Geraldo estava morando com o primo, Luciano Galvão, filho de Sidéria Galvão, irmã de Pagu e grande companheira na luta comunista. Jornalista, crítico literário e tradutor, Geraldo Galvão Ferraz trabalhou como repórter e editor no O Estado de São Paulo, Veja, Isto É, Jornal da Tarde, entre outros veículos. Coordenou o site pagu.com.br e o centro de estudos Pagu Unisanta e lançou o livro Hélio de Almeida – Artista Gráfico. Também é coautor da fotobiografia “Viva Pagu”, junto com Lúcia Maria Teixeira Furlani.
Geraldo me deu um grande apoio para que eu escrevesse o livro "De Pagu a Patrícia - o último ato". Me deu depoimentos, leu o primeiro original e, para meu alívio (era muito exigente), disse que o livro estava bom. Foi um pesquisador da obra da Patrícia jornalista que fez diferença, desmistificando a figura de Pagu. Junto com David K. Jackson, estava reunindo em uma obra de três volumes os artigos de Patrícia nos jornais brasileiros. Sempre a lembrou como uma grande intelectual e mãe carinhosa. 

Geraldo agora se uniu a ela e ao seu pai, Geraldo Ferraz, outro jornalista de destaque nacional, intelectual e companheiro de ideias de Patrícia. Um trio de peso para a cultura brasileira. A eles, o meu carinho e admiração.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O Livro como documento poético

Por Marcelo Ariel, escritor
É com uma alegria extrema que li o livro De Pagu a Patrícia, O ultimo ato, da jornalista e pesquisadora Márcia Costa. O livro joga uma luz profundamente humana na ultima fase da vida de Patrícia Galvão, seu exílio em Santos, que é equivalente ao exílio de Mário de Andrade no Rio de Janeiro. De Pagu a Patrícia, O ultimo ato deve ser, com urgência, transformado em filme documentário. Alô, cineastas de plantão! Alô, cinemaconha! Vamos trabalhar, vamos fazer, vamos criar! 

O  delicado, preciso, bem documentado e por isso essencial livro de Márcia, guarda alguns pontos de contato com o livro do Sr. Moacir Werneck sobre o exílio de Mário de Andrade no Rio, mas Márcia vai mais longe, ela não cai na recriação romântica emocionante e sintética do grande ensaísta, ela jamais perde a humildade do jornalista diante dos fatos e alia a isso o rigor dos pesquisadores científicos.O tom do texto de Márcia, em alguns momentos,  evoca a voz de um narrador capaz de uma objetividade que preserva a distância segura da ficção, se aproxima de um olhar terno e apaixonado por seu tema. É um complemento elegante e lúcido para a deslumbrante, pesada e monumental  fotobiografia Viva Pagu, de autoria da professora Maria Lúcia Teixeira. Márcia não pretendeu realizar o livro definitivo, nem dar a palavra final sobre a vida e obra de Patrícia Galvão. Sua intenção foi apenas a de fazer um preciso acompanhamento, levantamento dos últimos anos da vida intelectual de Patrícia Galvão.

Fica patente no livro, a discrepância e desafinação da época atual com a riqueza e ousadia criativa da época de Pagu. Hoje temos mais diversidade, mas as criações são marcadas pela dispersão, diletantismo, oportunismo e pelo uso infantil de uma ideologia de bravatas e retóricas pseudo-intelectuais. Bons artistas se perdem num discurso vazio em defesa de vanguardas mortas, identidades já absolutamente superadas pela realidade, miragens teóricas que confundem a discursividade obsessiva com a nitidez do pensamento ensaístico, e pululam pseudo-poetas e pseudo-revolucionários. O maior mérito do livro de Márcia é que nele podemos saber como era a vida cultural num tempo onde as imposturas intelectuais eram desmascaradas e não como hoje louvadas em papel de jornal, "redes sociais" e blogs.

Nota: É claro, que eu frequentei e participei de vários Saraus, mas meu pensamento é lúcido e sei que estes eventos são apenas um paliativo, uma aspirina para um doente terminal chamado "Cultura". Amo o seminário, o colóquio, o debate, enfim, o acontecimento que tenha em seu centro o dialógico. Sou pelo centro dialógico como centro cultural. Recentemente participei de um belo espetáculo dirigido pelo Márcio Barreto e pela Célia Faustino, no Sesc Santos, chamado 'Poéticas para um novo tempo', algo que embora se pareça um pouco com um sarau poético musical, é outra coisa e está longe da boçalidade dos tais saraus disso ou daquilo. Ah, antes que o mundo acabe lá no Xingu, devo registrar aqui, que a coreógrafa Célia Faustino, que não dorme no ponto, realizou o espetáculo ‘Estudos para o Azul’, inspirado no livro de Márcia.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Lançamento do livro em evento internacional da Metodista

Tive a alegria de ser convidada pela Universidade Metodista de São Paulo, onde curso o doutorado em Comunicação Social, para lançar o livro em um evento internacional da universidade, do qual participam grandes estudiosos da cultura. Será nesta quarta, dia 05, às 14h:


Patrícia e Ferraz em A Tribuna

Página da "Carioca", caderno criado por Patrícia e Ferraz em A Tribuna. No detalhe, tradução de Patrícia .


A intelectualidade e a experiência do casal conferia status e prestígio ao jornal. Em 1954, seguindo uma tendência dos grandes jornais da época, Ferraz criou um espaço específico para discutir cultura, a página intitulada Literatura Artes Cultura, apelidada de “Carioca”, dada a presença de colaboradores do Rio de Janeiro, como Otto Maria Carpeaux e Carlos Drummond de Andrade. Veiculada aos domingos, trazia informações sobre teatro, música e literatura e inovava tanto na forma quanto no conteúdo, marca da erudição do editor. A criação do “Carioca” foi um dos avanços do jornal, acredita Cid Marcus Vasques, que no mesmo período também passou a colaborar com O Estado de S. Paulo.

No que tange à divulgação da cultura no jornal, Clóvis Galvão descreve Ferraz como “o grande motor da coisa”. Sobre o “Carioca”, descreve:

Era algo de vanguarda, muito boa, de alta qualidade para a época. [...] Nela eram divulgados grandes nomes internacionais, do país, mas também tinha gente de Santos, como o Roldão, o Narciso de Andrade, o Cid Marcus, o Francisco De Marchi, as ilustrações de Lúcio Menezes, praticamente toda semana. A Patrícia ficava nessa página, fazia uma ou outra entrevista com alguma personalidade que aparecia por aqui, principalmente ligada a teatro.

A coluna Palcos e Atores, criada por Patrícia em A Tribuna.
Ao longo de 1954 a assinatura do casal – assim como os pseudônimos Gim, Pat e Mara Lobo – passam a ser frequentes no periódico, sobretudo nos textos sobre cultura. Era visível, segundo Clóvis Galvão, o ganho para o jornal e seus leitores. Ferraz trouxe para A Tribuna a mesma qualidade de texto e alto nível das fontes utilizada nos importantes jornais do eixo Rio/São Paulo, onde atuara. “Sintonia com a modernidade” foi a marca deixada por Geraldo e Patrícia no jornal santista, acredita Clóvis. Era algo que se diferenciava do pouco jornalismo cultural praticado em Santos.

Patrícia escrevia colunas sobre televisão, literatura e teatro. Durante a semana, também registrava na seção Artes e Artistas a movimentação da arte.

A coluna Literatura, assinada por Mara Lobo, pseudônimo de Patrícia.

Os festivais de teatro



A coluna Palcos e Atores, onde Patrícia divulga foto de Greghi Filho, que atuou na peça Fando e Lis, traduzida por ela. A peça estreou no Festival de Teatro Amador de Santos (Reprodução do arquivo de A Tribuna).

Toda a produção teatral de vanguarda era apresentada nos dois grandes eventos que marcaram a história do teatro, realizados graças ao empenho de Patrícia. O Departamento Cultural de A Tribuna promovera, em 1958, em conjunto com a Comissão Estadual de Teatro, o I Festival de Teatro Amador para Santos e Litoral, considerado o mais antigo do gênero em atividade no Brasil. Coordenado e realizado por ela, contou com a colaboração de Maurice Lègeard, Wilson Geraldo, Evêncio da Quinta, Plínio Marcos (eleito melhor ator) e Paschoal Carlos Magno. Notícias como o recente convênio assinado com a EAD e os resultados do festival animavam Patrícia naquele início de 1959:

No nosso setor municipal, todos têm mais ou menos percebido que, embora num dos últimos postos da corrida, viemos acompanhando o ritmo que talvez seja tanto ou mais acelerado de que as demais cidades e até a capital, pois plantamos a semente na areia, há tão pouco tempo, e ela já esta brotando com o entusiasmo da criança sadia. O Festival de Teatro Amador de Santos foi nota marcante no cenário municipal, com a apresentação de dois grupos  amadoristas que souberam cumprir a “sua missão” além de nossas expectativas. E o vencedor, o grupo dos Jovens Independentes, foi convidado a inaugurar o Festival de Teatro Amador de São Paulo com a peça “A Farsa dos meninos bonitos”, de Evêncio Martins da Quinta, jovem autor santista que Santos apresentou à capital.

A participação de Plínio no primeiro festival abrira “uma comporta de estimulação aos jovens que pretendem escrever para o teatro”, escreveu. Já o segundo festival contou com menos inscritos. Patrícia lamentou “uma certa debandada no comparecimento de grupos como os do Atlético, Centro Português e Sírio-Libanês entre os demais, que sempre tiveram ótima acolhida do público”. Em compensação, apontou a presença de peças vanguardistas, como as de  Ghelderode e Arrabal, além da grande participação de autores locais. Os Independentes levaram ao festival A Demissão, também de Evêncio da Quinta, e O Rústico, do original O Urso, de Anton Tchecov.

O lado absolutamente positivo do nosso II Festival é a apresentação de grupos novos e a participação de autores santistas, ou residentes em Santos, como Oscar Von Pfuhl, Enzo Poggiani, Evêncio Martins da Quinta, premiado no I Festival, José Castellar e Plínio Marcos de Barros, o que marca mais de 50 por cento de autores locais.

Ela sempre procurava incentivar a produção. Em 1959 (mesmo ano em que a cidade sediara o II Festival Nacional de Teatro de Estudantes), Patrícia, vendo ressurgir o entusiasmo dos estudantes diante da aproximação do segundo festival regional, alertava para que a chama não se apagasse após o fim do evento, e sobre a necessidade de se manter e criar uma tradição de teatro.

Hoje que Santos recebe estudantes de teatro, teatros de estudantes, a tentativa de há três anos merece ser recolhida num registro; não o consolo de uma frustração, mas a justificação de que estávamos acertados quando propagávamos entre moças e moços de nossas escolas o amor às coisas do teatro, essa ponte amável da cultura e da arte para a vida.

Patrícia acreditava que, ao promover diversas atividades, reunir todos os grupos existentes em Santos e incentivar a formação de outros, a União do Teatro Amador de Santos poderia “doravante, comparecer aos certames estadual e nacional, com repertórios melhorados e maior disciplina e interesse”.

Por iniciativa de Paschoal Carlos Magno e Patrícia, Santos sediou o II Festival Nacional de Teatro de Estudantes em 1959, um evento que trouxe a Santos milhares de artistas e interessados nessa arte.